B. A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS COMO CONSAGRAÇÃO
1. Nos Sacramentos
Uma vez que nos sacramentos mencionados se trata de uma aliança entre Deus e o homem, este deve aceitar estas consagrações sacramentais com liberdade e fé e, em virtude delas, levar uma vida que agrade e honre a Deus. Como participante no sacerdócio de Cristo, o cristão é capacitado para o culto sobrenatural a Deus (a virtude sobrenatural da "religião") e para a participação na liturgia. As virtudes teologais da fé, da esperança e do amor unem-nos diretamente a Deus, enquanto a "religião" é a virtude pela qual o homem se submete perfeitamente a Deus e Lhe presta a devida honra no culto e serviço (cf. Summa Theol. II-II,81,3,2um).Com relação ao amor, Santo Tomás sublinha essa diferença ao escrever: "A (virtude) da caridade pertence diretamente à entrega que o homem faz de si mesmo a Deus, aderindo-Lhe por alguma união do espírito. A entrega de si mesmo a Deus para a realização de obras de culto divino pertence diretamente à virtude da religião, indiretamente, porém, à caridade, que é o princípio da religião" (Summa Theol. II-II,82,2,1um). A religião encontra seu ápice na celebração da liturgia.A liturgia, "pela renovação da aliança do Senhor com os homens na Eucaristia, aquece os fiéis na caridade urgente de Cristo. Da liturgia, pois, em especial da Eucaristia, corre sobre nós, como de sua fonte, a graça, e por meio dela conseguem os homens com total eficácia a santificação em Cristo e a glorificação de Deus, a que se ordenam, como a seu fim, todas as outras obras da Igreja" (Conc. Vat. II, Sacrosanctum Concilium, n. 10).O primeiro e principal ato da religião é a dedicação (entrega; em latim: 'devotio’, daí, em português: 'devoção'). Santo Tomás de Aquino explica: "A palavra 'devotio' (dedicação) provém de 'devovere’ (dedicar). Daí se chamam 'devotos' (dedicados) aqueles que, de alguma maneira, se dedicam a Deus, para se entregar totalmente a Ele" (Summa Theol. II-II,82,1c). Por isso pode-se traduzir acertadamente a 'devotio' por 'espírito de dedicação' ou 'consagração'.
2. Na Vida Consagrada
Em geral, "todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade" (Conc. Vat. II, Lumen Gentium, n. 40). Isto significa em primeiro lugar uma aspiração à perfeição conforme a consagração batismal e crismal e as correspondentes obrigações fundamentais de observar os mandamentos de Deus, como também de participar na liturgia da Igreja. Contudo, há, além disso, uma maneira ainda mais perfeita de viver esta consagração:
"Desde os primórdios da Igreja, existiram homens e mulheres que se propuseram, pela prática dos conselhos evangélicos, seguir a Cristo com maior liberdade e imitá-lo mais de perto, e levaram, cada qual a seu modo, vida consagrada a Deus" (Conc. Vat.II, Perfectae caritatis, n. 1). Quem quer ser perfeito, pode doar-se a Deus de um modo novo, a saber, pela renúncia completa aos bens terrenos, à união matrimonial e à livre autodeterminação, para seguir a Cristo mais de perto e pertencer-Lhe totalmente. A Igreja acolhe em nome do Senhor os votos da vida consagrada (cf., ibid., n. 5). Os votos, como meios de serviço e da glorificação de Deus, são atos da virtude da religião e da dedicação-entrega ('devotio’). Daí decorre um significado duplo da 'devotio', segundo a resposta do homem a Deus: de um lado, na receção dos sacramentos, do outro lado, na profissão dos conselhos evangélicos. Em ambos os casos o homem é, de um modo próprio, separado do mundo e capacitado para uma vida agradável a Deus. Uma vez que a aliança entre Deus e o homem é concluída por uma aceitação mútua, a mesma palavra 'consagração' designa tanto a ação de Deus como também a resposta do homem.
3. Nas práticas de devoção
Além das consagrações sacramentais e da vida consagrada houve na vida da Igreja ainda outros atos da 'devotio', da dedicação-entrega. Nestes, os fiéis ou se entregam à proteção especial do Senhor ou se obrigam a realizar atos da religião e boas obras, esperando receber assim especiais graças e frutos. Neste sentido fala-se também de 'consagrações de proteção' ou 'consagrações de serviço'. Embora estas consagrações, quanto ao grau e à essência, sejam inferiores à profissão religiosa, elas pertencem à mesma virtude da 'devotio' (cf. Cat., n. 2102). São igualmente chamadas de 'consagrações', porque contêm uma dedicação (entrega) de caráter permanente, aprovada pela Igreja. A consagração ao Sagrado Coração de Jesus é o exemplo clássico a este respeito. "Entre todos os exercícios próprios da devoção ao Sagrado Coração de Jesus sobressai, aos olhos e ao coração, a nossa consagração piedosa e crente da nossa própria pessoa e da nossa posse ao Divino Coração de Jesus...". "Portanto, é o ato de consagração que manifesta e confirma a união com Cristo" (Papa Pio XI, EncíclicaMiserentissimus Redemptor, nn. 124 e 134). A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é "um exercício muito valioso da religião, enquanto exige de nós uma vontade completa e plenamente incondicional de entrega e consagração ao amor do divino Redentor" (Papa Pio XII, EncíclicaHaurietis Aquas). Na devoção ao Sagrado Coração de Jesus trata-se de "uma entrega a Deus, que ajuda poderosamente a alcançar a perfeição cristã" (Ibidem).
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